No mês em que se comemora o Dia dos Povos Indígenas (19/4), o Judiciário reforça o compromisso com a garantia de direitos fundamentais dessa população que no Brasil é composta por 256 povos, totalizando aproximadamente 900 mil pessoas.
Nesta matéria produzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), é citado como um dos Tribunais brasileiros que impulsionam as ações de justiça e cidadania nas Terras Indígenas, uma vez que 46% do território é de áreas demarcadas.
Além do programa Justiça Cidadã que instalou em 2021 na comunidade Wamiri-Atroari, o primeiro Posto Avançado de atendimento do Judiciário do Brasil em Terra Indígena, existe a atuação da Vara da Justiça Itinerante do TJRR que disponibiliza durante todo ano um calendário de atendimentos no interior de Roraima.
O Poder Judiciário de Roraima reforçou ainda em dezembro de 2021, as atividades do Polo Indígena de Conciliação e Mediação da comunidade de Maturuca, localizado no município de Uiramutã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Além das ações de estruturação física de unidades do judiciário, em áreas indígenas, o TJRR tem atuado em parceria com as comunidades disponibilizando capacitações na área da educação, levando treinamentos e cursos específicos, sempre respeitando a cultura e tradições dos povos indígenas.
Confira a matéria na integra:
Roraima conta com uma Justiça que trabalha para reduzir a distância entre o Poder Judiciário e os povos originários. Há mais de 20 anos, o Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) dialoga com os povos Yanomamis, Macuxis, Wapichana, Taurepang, Ingaricó, Patamona, Ye`kuana, Waimiri Atroari, Sapará, Wai-Wai e ribeirinhas por meio do projeto Justiça Itinerante, que inspirou as novas diretrizes do CNJ para o Judiciário.
Todo mês, uma pequena equipe formada por cinco servidores segue de barco, ônibus, ou avião para dentro da floresta amazônica com o objetivo de garantir direitos civis a homens, mulheres, meninas, meninos, idosas e idosos. À frente do trabalho por doze anos, o juiz Erick Cavalcanti Linhares de Lima explica que o projeto alcança pessoas que não conseguem chegar aos fóruns, permitindo que essa população tenha acesso aos direitos sociais.
O magistrado enxerga a necessidade de a Justiça abrir os olhos para esses povos e reconhecer suas especificidades.
“Precisamos superar a ideia errônea do índio privilegiado ou folgado. Essa é uma visão antiquada que perpetua sofrimento e preconceito contra essa população. Os indígenas precisam ser tratados de maneira diferenciada, pois têm uma cultura completamente diferente dos não indígenas e temos o dever de garantir-lhes proteção e acesso à Justiça”.
Para o líder indígena Dilson Ingariko, mestrando em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ) e secretário adjunto da Secretaria de Estado do Índio de Roraima, o Dia do Índio é um dia de luta, dia em que é preciso lembrar que o Estado deve cumprir com o dever de fiscalizar as terras, dar segurança aos povos, e desenvolver as comunidades.
“Nossos direitos ainda estão no papel. Há muitas formas de se ferir os direitos dos indígenas, seu conhecimento, sua ciência, sua cultura, sua língua. Infelizmente, hoje, não podemos dizer que os povos indígenas estejam bem representados e nem seus direitos protegidos”.
Os dois atos normativos mais recentes aprovados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se somam a outras ações voltadas para a proteção daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade de acordo com a Declaração para os Direitos dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece que os Estados-membros devem adotar medidas eficazes para garantir a proteção dos direitos desses povos.
As resoluções levadas a julgamento por meio dos Atos Normativos 0000197-13.2022 e 0009076-43.2021 nasceram de grupo de trabalho do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário criado para viabilizar o acesso à Justiça dessa população e propor iniciativas baseadas em boas práticas na condução de processos judiciais envolvendo direitos indígenas. Esse esforço está em linha com uma das prioridades do presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, à frente do CNJ. Para ele, a Justiça deve estar atenta para assegurar e promover os direitos dos povos indígenas.
“A realidade dos povos indígenas ainda carrega a marca da marginalização, da exclusão, do silêncio. Um Poder Judiciário moderno, aberto à população e que se orgulhe de fazer Justiça deve assegurar o diálogo intercultural que respeita o modo de ser e de viver desses povos”.
Uma das resoluções cria o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas aos Povos Indígenas e Tribais (Fonit), para acompanhar o andamento das demandas judiciais que envolvem essa população, sejam individuais ou de comunidades, em cada tribunal. O outro normativo traz orientações para o tratamento adequado dos indígenas na Justiça.
Assegurar a autoidentificação indígena em qualquer fase do processo está entre as medidas determinadas pelo CNJ, assim como as suas consequências jurídicas, em linguagem simples e acessível, e o registro das informações de autoidentificação nos sistemas informatizados da Justiça. Também está previsto assegurar ao indígena pleno conhecimento dos atos processuais ainda que por meio de um intérprete, de preferência entre os membros de sua comunidade, para que o indígena compreenda o que está ocorrendo e possa, inclusive, recorrer. Também está garantida na resolução a intimação da FUNAI e do Ministério Público Federal a depender da demanda, para que se manifestem na causa.
Plenos direitos
Coordenador do GT, o conselheiro do CNJ Márcio Freitas reforçou a importância das medidas.
“O reconhecimento pelo Sistema de Justiça da singularidade dos povos originários representa um importante passo para o resgate do débito histórico para com esses povos”, disse. Além de dar suporte em estudos sobre a temática indígena e desenvolver roteiro de atuação judicial baseado em boas práticas na condução de processos judiciais envolvendo direitos indígenas, o GT também tem a incumbência de organizar publicação destinada ao aperfeiçoamento dos cursos de formação de magistrados na temática indígena.
Para a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS) Inês Virgínia Prado Soares, que também compõe o GT, a importância da aprovação da resolução está na nitidez e no detalhamento que promove em relação aos direitos civis indígenas.
“A resolução não muda o Código de Processo Civil, nem poderia mudar, mas estabelece alguns procedimentos que permitem um julgamento sob a perspectiva intercultural e sob a perspectiva dos povos indígenas. Respeitando a consulta aos povos, aos membros da comunidade, e os protocolos já existentes”.
O acesso pleno à Justiça pelos indígenas, suas comunidades e organizações, está prevista nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal. No entanto, ainda hoje, muitos indígenas sequer contam com documentos civis, que garantam acesso a direitos básicos, como atendimento de saúde. Na avaliação da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, membro do Observatório do CNJ, a resolução aprovada é um guia precioso para a implementação do acesso à Justiça.
“As normas levam em conta as especificidades dos povos indígenas e os avanços da Constituição Federal e das convenções internacionais vigentes no nosso país”.
Ações do CNJ
Para viabilizar a implementação das medidas previstas pela resolução, o CNJ pretende elaborar um manual e mobilizar tribunais e escolas da magistratura para que sejam feitos cursos de qualificação e atualização, principalmente nas comarcas e seções judiciárias com maior população indígena.
O CNJ desenvolve ações voltadas aos indígenas desde 2010, quando criou o Projeto Cidadania, Direito de Todos, que apoiava a realização de dezenas de mutirões para levar a Justiça até as aldeias. Em 2012, foi editada uma Resolução Conjunta com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para permitir os registros civis dos indígenas nas certidões. Em 2019, aprovou a Resolução 287, estabelecendo procedimentos especiais para pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade no âmbito criminal do Poder Judiciário.
Fonte: Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias